segunda-feira, 29 de junho de 2015

Falta de paralelismo e uso indevido de maiúsculas


Segundo a definição do Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, paralelismo é “sequência de frases com estruturas gramaticais idênticas”. Ou seja, paralelismo é uma forma de construção simétrica.

O Paralelismo pode ser sintático, quando termos coordenados apresentam a mesma estrutura, ou semântico, quando há coerência entre as ideias que compõem a estrutura da frase. Vejamos alguns exemplos para melhor entender:
Em sua viagem aos EUA, o presidente visitou Washington, Nova Iorque e São Francisco. (= paralelismo sintático e semântico, porque os termos ligados pela conjunção aditiva “e” exercem a mesma função sintática e se equivalem)
Em sua viagem aos EUA, o presidente visitou Washington, Nova Iorque e a parada gay. (= ausência de paralelismo semântico, porque, embora os termos ligados pela conjunção aditiva “e” exerçam a mesma função sintática em relação ao verbo “visitou”, não há equivalência de sentido entre eles – Washington e Nova Iorque são cidades, enquanto parada gay é evento)
O eleitor acredita na proposta do candidato e que sua eleição tirará o país da crise econômica. (= ausência de paralelismo sintático, porque o verbo “acredita” rege a preposição “em” – “acredita na [em + a] proposta” –, e a oração iniciada por “que” não é antecedida da preposição “em”.   
O texto abaixo transcrito, copiado da propaganda de uma “Clínica Espiritual”, não contém paralelismo sintático nem semântico. Observe:
“Venha agora mesmo fazer uma consulta com a SENSITIVA FULANA com anos de Experiência e Milhares de Casais Unidos por Ela com a certeza, transparência e eficácia na solução de seus problemas tais como: financeiros, com sócios, na sua empresa, indústria ou comércio, na parte profissional, problemas de saúde, sofre de depressão ou insônia, não tem amigos? Venha agora mesmo fazer uma consulta e conquistar sua felicidade tão sonhada.” [grifos nossos]
Para corrigir a ausência de paralelismo sintático e semântico, bastaria englobar todos os problemas citados em apenas três categorias: os problemas profissionais, que englobariam os “com sócios, na sua empresa, indústria ou comércio, na parte profissional”, os problemas pessoais, que englobariam os “de saúde, sofre de depressão ou insônia, não tem amigos?”, e os financeiros, já que estes podem ser de ordem pessoal ou profissional.

Reescrevendo todo o parágrafo, temos o seguinte texto:
“Venha agora mesmo fazer uma consulta com a Sensitiva Fulana que conta com anos de experiência e que já uniu milhares de casais.  Ela garante transparência e eficácia na solução de seus problemas pessoais, profissionais ou financeiros. Venha agora mesmo fazer uma consulta e conquistar sua felicidade tão sonhada.”
Além da falta de paralelismo sintático e semântico, no panfleto da “Clínica Espiritual”, notamos o uso indevido do ponto de interrogação em “não tem amigos?”, bem como o uso indevido de maiúsculas nos vocábulos “Experiência, Milhares, Casais Unidos, Ela”. Não há qualquer razão para que esses vocábulos tenham sido grafados com letra maiúscula.

A letra maiúscula deve ser usada nos seguintes casos: em início de período ou citação direta; em siglas ou símbolos (ex.: ONU); em  nomes próprios de pessoas físicas (reais ou fictícias) ou jurídicas; em logradouros públicos (ex.: Rua); em acidentes geográficos (ex.: Serra do Mar), pontos cardeais, regiões, cidades, estados, países e continentes; em datas oficiais, históricas ou religiosas (ex.: Sete de Setembro); em nomes de eventos (ex.: Bienal do Livro); em títulos de livros, periódicos (ex.: Estado de S. Paulo), trabalhos acadêmicos e produções artísticas (filme, peça, música); em disciplinas e áreas do conhecimento humano (Literatura); em leis ou atos normativos (Decreto nº 7508); em nomes de eventos (Jornada de Direito Civil); em pronomes de tratamento e suas abreviações (Vossa Excelência, V. Exa.). 

Por fim, a expressão “SENSITIVA FULANA”, sublinhada e grafada em caixa-alta, bem poderia ser substituída por “Sensitiva Fulana” para não ser interpretada como um grito pelo leitor.

Aos que pretendem imprimir e distribuir panfletos, fica a dica: antes de imprimi-los, submeta o texto a um revisor. Suas chances de sucesso serão bem maiores.
  
Um abraço e até a próxima.
Sandra Helena   

domingo, 14 de junho de 2015

Informalidade excessiva na comunicação oral pode gerar problemas?

De uns tempos para cá, venho notando que os brasileiros, sobretudo os jovens e adolescentes, não sabem quais formas de tratamento empregar quando se comunicam oralmente com pessoas mais velhas ou que lhe são estranhas. A boa educação manda (e sempre mandou) que, diante de pessoas mais velhas, ou que nos são estranhas, ou com as quais não tenhamos qualquer intimidade, adotemos os pronomes de tratamento Senhor, Senhora e Senhorita (se mulher solteira). No entanto, é muito comum presenciarmos indivíduos que, diante de uma pessoa mais velha, começam a tratá-la de Senhor ou Senhora e, em seguida, passam a empregar pronomes de segunda pessoa (como “você”, “tu” e “seu/sua”) para se referirem a ela, desconsiderando por completo não só a idade e a experiência profissional e/ou acadêmica do Senhor ou da Senhora que tem diante de si, mas também o fato de que o interlocutor não lhes deu liberdade ou autorização para ser tratado de forma menos cerimoniosa.
 
Em uma sociedade globalizada como esta em que vivemos, essa atitude é extremamente perigosa, porque, além de poder ser interpretada como informalidade excessiva e até mesmo como falta de educação, pode ferir a suscetibilidade de nosso interlocutor, ocasionando inúmeros problemas e mal-entendidos, sobretudo em um contexto comunicacional mais formal, como o ambiente acadêmico ou empresarial.

Se o texto escrito formal habitualmente requer unidade em relação à pessoa do discurso escolhida e empregada pelo autor (geralmente, primeira ou terceira pessoa do singular ou do plural), a comunicação oral também demanda unidade, devendo haver coerência entre os pronomes de tratamento usados nesse tipo de comunicação. A despeito das diferenças existentes entre a comunicação escrita e a oral, sobretudo no que se refere à proximidade entre os interlocutores e à informalidade desta, devemos ter em mente que vivemos em um contexto global e que nos comunicamos com pessoas originárias de outras culturas nas quais a formalidade e o tratamento cerimonioso continuam sendo valorizados e empregados. Em Portugal, por exemplo, a menos que sejamos  autorizados por nosso interlocutor, não podemos usar o “tu” para nos dirigirmos a alguém, pois essa forma de tratamento pressupõe intimidade, devendo, por isso, ser reservada apenas a familiares e amigos mais chegados. Na França, o “toi”, equivalente ao nosso “tu”, é usado na comunicação com crianças ou entre familiares e amigos íntimos, do contrário deve-se usar “vous”, equivalente ao nosso “vós”. Na Alemanha, tal como em Portugal, o tratamento menos cerimonioso necessita de autorização do interlocutor. No ambiente acadêmico alemão, por exemplo, a formalidade é tanta que uma pessoa com dois doutorados é tratada pelo sobrenome precedido de Herr Professor Doktor Doktor. No Brasil, também deveria ser assim, ou seja, somente deveríamos substituir o tratamento cerimonioso pelo informal quando nosso interlocutor nos desse essa liberdade, do contrário, deveríamos continuar tratando-o de senhor, senhora ou senhorita, dependendo do caso.   

Se a informalidade muitas vezes nos favorece, não raro também pode nos prejudicar. Os canadenses, por exemplo, embora se identifiquem com nosso multiculturalismo, não veem com bons olhos nossa excessiva informalidade, bem como nossa dificuldade em respeitar hierarquias, sobretudo no contexto empresarial.

Por isso, fica a dica: na comunicação oral, é sempre preferível pecar pelo excesso de formalidade do que pela falta.

O uso dos porquês

No Brasil, usamos quatro tipos:
a)           por que, separado e sem acento;
b)           por quê, separado e com acento;
c)           porque, junto e sem acento;
d)           porquê, junto e com acento.   
Vejamos, então, quando devemos usar cada um deles.

1. POR QUE, SEPARADO E SEM ACENTO:
Geralmente, esse é o que mais suscita dúvidas, pois há várias circunstâncias em que deve ser empregado. Devemos usar por que, separado e sem acento, nas seguintes circunstâncias:
a)        Nas frases interrogativas diretas e indiretas. As orações interrogativas diretas são as iniciadas por pronome (ex.: qual) ou advérbio interrogativo (ex.: onde) e finalizadas por ponto de interrogação. Já as orações interrogativas indiretas não são iniciadas por pronome ou advérbio interrogativo e são finalizadas por ponto final em vez de ponto de interrogação. Veja os exemplos abaixo:
Por que você demorou tanto? [= interrogativa direta]
Ninguém sabe dizer por que ele agiu desse modo. [= interrogativa indireta]
Quero saber por que você não veio à aula na semana passada. [= interrogativa indireta]
b)        O por que também será separado e sem acento sempre que estiverem expressas ou subentendidas as palavras motivo, razão. Veja os exemplos abaixo:
Não sei por que [razão] ele se aborreceu tanto.
Eis por que [motivo] não lhe telefonei antes.
c)         O por que ainda será separado e sem acento quando ele puder ser substituído pelos pronomes relativos pelo qual, pela qual, pelos quais ou pelas quais. Observe o exemplo abaixo:
A avenida por que [= pela qual] vim está em péssimo estado de conservação.
Ninguém sabe a razão por que [= pela qual] ele assim procedeu.
2. POR QUE, SEPARADO E COM ACENTO:
Usa-se por quê, separado e com acento, sempre que ele aparecer no final de uma frase, isolado em uma frase ou mesmo sozinho em uma frase (ou seja, quando a frase for constituída apenas por ele) e, além disso, vier anteposto a um sinal de pontuação, sinal esse que não precisa ser, necessariamente, de interrogação, podendo ser um ponto final, um ponto de interrogação, um ponto de exclamação, uma vírgula ou um ponto e vírgula. O importante, aqui, é que ele venha anteposto a uma pausa breve ou longa, indicada por um sinal de pontuação. Observe os seguintes exemplos:
A menina chorava, chorava sem saber por quê. [= no final da frase]
Você não fez, por quê, seu preguiçoso? [= isolado na frase]
O candidato não sabe por quê, nem como, nem onde sua campanha política falhou. [= isolado na frase]
Você foi demitido de novo? Por quê? [= sozinho na frase]
Dica - Veja que, nos exemplos acima, ele está anteposto a um sinal de pontuação. 
3. PORQUE, JUNTO E SEM ACENTO:
Usa-se porque, junto e sem acento, nas seguintes circunstâncias:
a) Quando ele equivaler a pois (explicação) ou equivaler a uma vez que, já que, visto que (causa). Veja os exemplos abaixo:
Ajude-o a subir as escadas, porque ele quebrou o pé. [porque, nesse caso, introduz uma explicação, pois não há relação de causa e efeito entre as orações que constituem o período]
Ele faltou à prova, porque estava com meningite viral. [porque, nesse caso, introduz uma causa, pois há relação de causa e efeito entre as orações que constituem o período]
b) Sempre que ele for empregado no início de respostas. Observe os exemplos abaixo:
Por que você não entregou o relatório pedido pela professora?
Porque não consegui concluí-lo até a data de entrega.
4. PORQUÊ, JUNTO E COM ACENTO:
Esse é o mais fácil de todos, pois só pode ser usado em uma única circunstância, qual seja: quando equivaler a um substantivo e, por essa razão, admitir a anteposição de um artigo definido (o, a, os, as) ou indefinido (um, uns, uma, umas). Ou seja, o porquê, junto e com acento, é usado apenas quando ele for substantivado, situação em que será antecedido de um artigo definido ou indefinido. Nesse caso, o porquê poderá ser substituído pelas palavras motivo ou razão, como se nota no exemplo abaixo:
Pressionada, a presidente explicou o porquê de sua renúncia.
Eis o porquê de não lhe ter telefonado antes: meu celular estava sem bateria.
Vale ressaltar que, relativamente ao uso dos porquês, há diferenças entre Brasil e Portugal. Lá, o por que separado é empregado apenas quando equivale aos pronomes relativos por qual ou pelo qual. Do contrário, usa-se porque junto. Apesar das diferenças, os portugueses, principalmente por influência da forma usada no Brasil, não consideram errado o uso do por que separado e seguido mentalmente da palavra razão ou motivo. Observe estes exemplos retirados de um jornal português:
“Mas há coisas que, não tendo barbas por fora, as têm por dentro. Por exemplo: os sorrisos que sempre se exibem em protocolos e acordos multilaterais. Desta vez excederam o que seria suportável. Há dias, vimos Robert Mugabe e Morgan Tsvangirai a apertarem as mãos num clima de gargalhada geral. Poucos entenderão porque se riam tanto, à roda deles, nem porque parecia tão falsa aquela encenação. [...]”
Nesse trecho da matéria jornalística, nota-se que os dois porquês negritados seriam grafados separados no Brasil, por corresponderem à expressão por que motivo ou por que razão