quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

A coesão na oração do Pai Nosso


Já observaram que a versão traduzida do latim da oração do Pai Nosso contém um aparente problema de coesão?

No Evangelho de S. Mateus, capítulo 6, versículos de 9 a 13, encontramos a seguinte versão dessa oração:

“Pai nosso, que estais no céu, santificado seja o teu nome. Venha o teu reino. Seja feita a tua vontade, como no céu, assim na terra. Dá-nos hoje o pão necessário à nossa subsistência. E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores. E não nos deixeis cair em tentação. Mas livrai-nos do mal. Amém.”

Embora ela seja um pouco diferente da aprendida pela maioria de nós, apresenta, entre a última e a penúltima sentença, o mesmo suposto problema de coesão da versão mais usual. O problema consiste no uso do “mas” - cujo valor sintático-semântico é de oposição, razão pela qual é empregado entre orações coordenadas com ideias opostas (Fui à casa de minha amiga, mas não a encontrei lá) - com valor de adição. Notem que, nesse caso, o "mas" estabelece a coesão entre duas sentenças que não se opõem, mas sim se complementam, pois as duas coisas que se pedem são para não nos deixar cair em tentação e livrar-nos do mal

Mas isso é possível? Sim, isso é perfeitamente possível. Embora o valor sintático-semântico do “mas” seja adversativo (de oposição), ele pode, em determinados contextos, assumir um valor aditivo, tornando-se uma conjunção aditiva ou copulativa, como também é chamada. O inverso também é verdadeiro, ou seja, o “e” - cujo valor sintático-semântico é de adição, razão pela qual é empregado para ligar orações coordenadas com ideias complementares (Fui à casa de minha amiga, e a encontrei lá) - pode ser usado com valor de oposição. Exemplo:
Discutimos durante várias horas e não chegamos a conclusão alguma.
Portanto, ao contrário do que possa parecer, a oração do Pai Nosso, além de muito bonita, não apresenta qualquer problema de coesão.


Um abraço e até a próxima!

Sandra Helena

quinta-feira, 26 de junho de 2014

“Tinha chego” ou “tinha chegado”?

Antes de se empregar o particípio passado de um verbo, deve-se verificar se o verbo apresenta ou não duplo particípio, ou seja, se apresenta a forma regular (terminada em –ado ou –ido), usada na formação dos tempos compostos da voz ativa, e a forma irregular (reduzida), usada na formação dos tempos da voz passivaNormalmente, o duplo particípio é característica dos verbos abundantes que recebem esse nome justamente por apresentarem duas ou mais formas equivalentes.

Quando apresentar duplo particípio, a forma regular deve ser empregada com os auxiliares “ter/haver”, enquanto a forma irregular deve vir acompanhada dos auxiliares “ser/estar”. Exemplos:

Tinha imprimido o livro em Portugal. (imprimido = particípio regular)
O livro foi impresso em Portugal. (impresso = particípio irregular)

Quanto aos verbos “ganhar”, “chegar” e “trazer”, “ganhar” tem duplo particípio - o regular “ganhado” e o irregular “ganho”-,  já “chegar” e “trazer” só têm* a forma regular “chegado” e “trazido”. Portanto, a aberrações como “Ele tinha chego atrasado” e “Essa camisa tem trago sorte à seleção” simplesmente não existem!  

Pós-escrito: E não se esqueça de que o verbo “ter”, quando conjugado na terceira pessoa do plural do presente do indicativo, deve, necessariamente, receber o acento diferencial que o distingue da forma singular.

Um abraço e até a próxima!
Sandra Helena

Hino à capela

Sempre que o hino nacional para* de ser tocado, e os torcedores brasileiros continuam a cantá-lo mesmo sem o acompanhamento musical, os jornalistas dizem que o hino foi cantado “à capela”. Mas qual a origem dessa expressão, e o que ela significa?

A origem da expressão “hino à capela” é italiana (a capella) e significa “música vocal sem acompanhamento instrumental”. Esse tipo de prática é usual no canto gregoriano que é executado sem órgão ou outro instrumento musical.  

Diz-se “à capela” porque os monges cantavam em uma capela localizada na lateral do altar principal da igreja. Por isso, uma das acepções do verbete “capela”, registrada no dicionário on-line Priberam, é justamente “cantores adistritos a uma igreja”.  

Em português, deve-se grafar “à capela” com o acento indicativo da crase, porque o “à” corresponde à redução sintática da expressão “à moda de”, ou seja, porque a locução “à moda de” (= “à maneira de”, “ao estilo de”) está implícita: “hino à moda da capela” ou “hino ao estilo da capela”.

Pós-escrito: Lembre-se de que não se usa mais acento diferencial no verbo “parar”!

Um abraço e até a próxima!
Sandra Helena  


domingo, 1 de junho de 2014

Diferença entre "afim" e "a fim de"


Em uma rede social está circulando uma imagem com os seguintes dizeres:


"TÁ AFIM DE PROTESTAR? PROTESTA NA HORA DE VOTAR!"

A mensagem é ótima, o problema é a grafia do "afim". 

A fim de é uma conjunção subordinativa adverbial que indica finalidade; corresponde a para ou para que. Exemplo: 

Parei de trabalhar a fim de retomar meus estudos. 

afim significa ligação, semelhança, que tem afinidade. Exemplo:

Marido e mulher convivem melhor quando têm interesses afins.

Por ser um coloquialismo, devemos evitar o uso da expressão estar a fim de com o sentido de estar com vontade de em textos formais. Exemplo:

Não estou a fim de sair com você.

Um abraço e até a próxima!
Sandra Helena

Você sabe o que é "fulecar"?

Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, de Cândido de Figueiredo, "fulecar" significa "perder, ao jogo, todo o dinheiro que se levava" (Lisboa: Editora Bertrand de Lisboa e W. M. Jackson Inc. do Rio de Janeiro, 1949. p. 1257).




"Fulecar" lembra Fuleco, nome escolhido para o mascote da Copa do Mundo de 2014.

Moral da história: até para se escolher o nome do mascote da Copa é necessário conhecer a língua portuguesa!

Um abraço e até a próxima!
Sandra Helena